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 "A partir dos anos 1960, a América Latina conheceu um período de grandes transformações com o crescente número de golpes e contragolpes de Estado, que fizeram emergir regimes políticos autoritários, amparados nas Doutrinas de Segurança Nacional e, em certos lugares, numa modernização conservadora do capitalismo, que agravou ainda mais as precárias condições de vida da enorme maioria da população do continente, isto é, os milhares de trabalhadores pobres no campo e nas cidades. Nesse contexto, ganharam força os vários grupos de esquerda que, inspirados num certo romantismo revolucionário e no retumbante sucesso da Revolução Cubana, acreditaram ser possível construir uma modernidade alternativa para a América Latina. Alguns setores da Igreja latino-americana beberam profundamente dos ideais compartilhados nessas esquerdas e passaram por um significativo processo de transformação nas suas práticas, crenças e ideários, gestando um movimento social que tem sido chamado de cristianismo de libertação. As várias reflexões de homens da Igreja sobre as então desejadas mudanças políticas, econômicas, sociais e eclesiais no continente, beneficiadas pelas encíclicas sociais dos papas João XXIII e Paulo VI, pelos documentos oriundos do Concílio Vaticano II e de Medellín, deram origem à teologia da libertação, que se tornou um suporte teórico das esquerdas católicas da América Latina. Assim, padres, bispos, religiosos e fiéis leigos, no Brasil e no restante do continente, compartilharam vivamente uma nova cultura política que redefinia continuamente a maneira do cristão estar no mundo e sua visão sobre ele. Estabelecendo uma forte conexão entre fé e vida, religiosidade e lutas sociais. Professando uma grande centralidade na relação Deus-pobre, que conduziria à vitória do Projeto de Deus para as sociedades históricas.

 

Com uma hermenêutica bíblica compreendida a partir de uma chave de leitura marxista, projetou novas representações coletivas de um Jesus revolucionário, de um Moisés guerrilheiro, de Che Guevara como lutador do Reino, e da Revolução Sandinista como Sagrada. Bem como ressignificou outras, milenares, da tradição cristã como Reino de Deus, profetismo, martírio etc. Transformando, assim, todo o patrimônio cultural e religioso do catolicismo romano. Tais perspectivas ajudaram a criar um imaginário social de uma guerra do Deus cristão, libertador, contra os deuses opressores do capitalismo e dos regimes políticos compreendidos como injustos, e transformaram a Bíblia numa espécie de aporte teórico para a revolução.

 

Motivaram diversas lutas sociais no campo e nas cidades, principalmente através das Comunidades Eclesiais de Base e da ação dos setores mais progressistas da Hierarquia católica. Geraram adesões e rejeições dentro da própria Igreja, na imprensa e nos diversos meios sociais, criando um grande debate e um grande embate ideológico-religioso que se manteve extremamente intenso, pelo menos, até os anos 1990. Para melhor compreender esse imaginário social com as mediações que utilizou, as representações coletivas que projetou e as construções de sentidos que forjou, o autor recorre aos pressupostos da História Cultural, dialogando, sempre que possível, com as disciplinas da linguística, da sociologia e da antropologia social. Além de beneficiar-se intensamente com as metodologias da História Oral.

O Tempo das Utopias

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